Uma esperança

Contrai os músculos, agarrei-me ao travesseiro, enfiei nele a cabeça, mordi os lábios sufocando o grito mais profundo. Isso não pode estar acontecendo comigo!




Mas por uma hora dessa eu já deveria estar acostumada. Era a típica vacina de drogas que recebia na semana, e só pra variar, nunca vinha um daqueles enfermeiros comuns de Hollywood: cheios de músculos e com bronzeado de causar inveja.
Sempre vinha a Nancy, uma enfermeira-vovó, com as mãos pequenas e a pele um pouco enrugada. “Naná”, assim que eu passei a chamá-la a partir da minha terceira sessão de quimo.
O que eu achava mais incômodo não era o horário de 2h da madrugada para tomar o remédio, mas sim à posição que eu me encontrava toda vez: virada para a parede branca e sem graça, encolhida, abraçando minhas próprias pernas, naquela cama de hospital dura e fria, esperando por uma profunda picada de maribondo no final da minha espinha.
Depois do grito sufocado e abafado vem o velho afago sobre minha cabeça. “Boa menina” – disse Naná.
Volto a recolher-me na cama, meu pai está dormindo de uma maneira nada reconfortante no pequeno sofá preto colocado no canto do quarto.
Como eu queria fugir dali, ir pra bem longe! Poder ter uma overdose de açúcar, comer quantos hambúrgueres eu quisesse... É, não consigo lembrar quando foi a última vez que fiz isso, se é que fiz.
Meu caso já não tem mais jeito, papai insiste em fazer inúmeros tratamentos e receitas de sucos sinistras. Mas nada parece adiantar.  Antes que eu me perdesse em infinitos pensamentos o dia lá fora já ia acordando, que foi quando eu vi meu pai rapidamente se mexer no sofá, logo, fechei meus olhos pra que ele acreditasse que eu ao menos cochilei ou coisa parecida, já que não suporto ele ficar me enchendo por eu nunca conseguir nesse hospital.
- Tess, eu sei que você está acordada, por favor, durma um pouco.
- Não consigo. Pai, nós já vamos poder ir para casa, vou me vestir, não gosto desse hospital.
Ele resmungou algo sobre eu chamar a enfermeira pra checar se tudo estava nos conformes e foi lavar o rosto.
Bom, essa era a minha rotina, toda semana eu dormia pelo menos uma noite no hospital para tomar uma injeção de drogas. O médico disse que talvez em um tratamento progressivo de 6 meses os resultados apareceriam. Eu não dou a mínima, não me importaria de morrer logo, odeio sofrimento e lágrimas nos olhos.
Quando saí do hospital me entregaram um folder de oficinas recreativas que teriam toda sexta à noite, para pessoas como eu. Não queria que meu pai olhasse aquele papel, muito menos minha mãe(...)
Pronto, aqui estou eu numa noite de sexta-feira em um hospital. Minha vida é um hospital. É. Não tinha ninguém de interessante lá, até que... Os olhos dele me encontraram. Ele tinha o cabelo baixo, preto e era tão magro quanto eu. Ele era lindo do meu jeito.
Ele olhou pra mim de volta e veio em minha direção... Agora eu não sabia idéia do que fazer e meu coração começou a bater freneticamente. Sim, eu nem sabia que tinha mais coração!
Então ele veio falar comigo, a voz dele era linda, tudo nele era lindo. Nós conversamos e conversamos então ele disse que havia se recuperado de um câncer na medula há mais de dois anos e que não foi nada fácil, foi um época estranha e escura da qual ele gostava de lembrar por ter sido uma fase da qual ele recuperou sozinho. Só no jeito dele ter dito aquilo eu me senti outra. Eu não queria mais morrer. Eu queria viver para estar junto dele.
Agora parece que está tudo indo bem e rápido, mas não quero ser otimista, prefiro parecer real. Ele prometeu ir me visitar nos dias que eu ficaria de molho no hospital, eu disse que esperaria por ele.
E chegada a semana... Ele apareceu. Pela manhã, meu pai ainda estava dormindo e eu dessa vez me encontrava de olhos fechados sonhando em coisas que agora poderia ser realizáveis, ou pelo menos eu imaginava que seriam. Ele me beijou na testa e murmurou bom dia. Adorável.
Lá estava eu, em uma outra fase da minha vida da qual eu estava gostando de estar vivendo.